Paulo Ormindo Azevedo*
No próximo dia 29, Salvador completará 463 anos. Passado
de glórias e futuro de incertezas. Haverá festas, mas sem muito brilho diante da
crise que vivemos. Crise cujas raízes são profundas e antigas, mas que entrou em
parafuso, sem nenhum controle, na presente administração. Não adianta chorar o
leite derramado, temos é que construir o futuro. E as crises tem um lado
positivo, na medida em que ensejam a reflexão e a rotina de velhos paradigmas
para a criação de novos.
Há muitos anos não se discutia tanto Salvador na mídia,
nos colégios profissionais e associações de bairros, como agora. Renasceram
movimentos como “A Cidade Também é Nossa”, e surgem novos, como “Vozes da
Cidade”e Sabatina dos prefeituráveis” com o apoio da ABI , do Crea-BA, do IAB-BA
e da Fabs. Movimentos que gestam na sede dessas instituições, no Teatro dos
Novos e em casas particulares, para ganhar as ruas com marchas como o “Desocupa
Salvador”.
Movimento que só tende a crescer com as novas redes
sociais e proximidade das eleições. Vamos convir que o problema não é só local.
A RMS, que representa metade do PIB estadual, apresenta enormes desníveis
socioeconômicos e demográficos, com 80% de sua população vivendo em Salvador,
que provê tudo a ela para gerar riqueza em municípios vizinhos. Sem
planejamento, Salvador se transformou em uma cidade dormitório insustentável.
Crise que é também estadual e de quadros qualificados, como vimos na greve da
polícia e na queda de quatro ministros baianos pelo baixo desempenho de suas
pastas.
Mas não pense que esta situação será superada pela
eleição de um superprefeito. Aliás, nenhum dos pré-candidatos apresenta
qualquer traço de liderança ou programa de governo. Não podemos esperar um
messias capaz de libertar nosso povo da escravidão da liberdade e das sete
pragas do desgoverno. Sem o fortalecimento das instituições civis e uma nova
Câmara de Vereadores realmente representativa, qualificada e íntegra, não se
pode esperar nenhuma mudança em Salvador. Mas estarão os prefeituráveis
interessados nisto ou em eleger uma Câmara dócil, capaz de respaldar suas
manobras eleitoreiras?
Não basta uma Câmara renovada, é preciso que as
instituições civis, como a academia, as associações patronais e movimentos
populares abandonem o “silêncio obsequioso” em que tem se mantido e se
posicionem sobre os problemas da cidade e do Estado, forçando o diálogo com os
gestores encastelados em seus palácios indevassáveis e denunciando as investidas
dos cartéis que se tornaram sócios da nossa cidade. Temos que cobrar dos
candidatos, já agora, compromissos e planos de governos para que possamos exigir
mais tarde seu cumprimento. A Constituição de 88 deu ao habitante e à sociedade
novos instrumentos de defesa de seus direitos cidadãos, como a ação popular e a
ação civil pública, que podem e devem ser acionadas contra o mau
administrador.
Outro efeito positivo da crise é a reação que começa a
se esboçar no seio da sociedade com cidadãos politicamente conscientes, embora
desvinculados da militância partidária, se candidatando a postos eletivos,
visando mudar esta situação. Este é o caso de Waldir Pires, ex-governador e duas
vezes ministro que teve a humildade de se candidatar à vereança de Salvador para
brigar pela cidade, conforme intenção declarada aos jornais. Esperamos que
outros cidadãos competentes e íntegros sigam seu exemplo e possamos contar com
um grupo majoritário de representantes independentes na nossa Câmara de
Vereadores.
Refundar Salvador requer também, como na sua fundação, a
vontade política do poder central e do Estado, que não pode seguir se omitindo
como vem ocorrendo desde a sua criação, na década de 1960. Salvador não é apenas
passado, tem futuro e ele depende apenas de nós.
* Arquiteto e Professor. Foi presidente do CREA
-BA
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