sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Jamil Haddad: “O PSB é um partido limpo"

Em setembro de 2007, o presidente de honra do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ex-ministro da saúde, Jamil Haddad concedeu entrevista ao vice-presidente do Partido, Roberto Amaral, e ao ex-deputado federal José Carlos Sabóia, no Rio de Janeiro.
Confira abaixo a entrevista e relembre os principais fatos da vida pública de Jamil Haddad e de sua vida política dentro do PSB.
Político combativo, corajoso e competente, o médico Jamil Haddad foi um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Criador de programas de elevado alcance social, como a implantação dos medicamentos genéricos, atualmente era o presidente de Honra do PSB. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 1926. Elegeu-se deputado estadual pelo então estado da Guanabara, na coligação formada pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) e pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Quando os militares tomaram o poder e instauraram o bipartidarismo, em fins de 1965, Haddad filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), agremiação partidária de oposição ao regime. Reelegeu-se deputado estadual em 1966, mas – no ano seguinte – teve seu mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos.Com a reorganização partidária de 1979, participou da fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em março de 1983 foi escolhido, pelo governador Leonel Brizola, para assumir a Prefeitura do Rio de Janeiro. Dois anos depois, em 1985, participou da reorganização do PSB, tendo sido eleito presidente e o atual vice-presidente do Partido, Roberto Amaral, tornou-se secretário geral da sigla, no primeiro encontro nacional da agremiação. Em 1986, Jamil Haddad assumiu a vaga deixada por Saturnino Braga no Senado. Participou, então, do processo da Constituinte, ocasião em que lutou pela inclusão da reforma agrária, pelo direito de iniciativa popular no processo legislativo e por vários direitos trabalhistas. Grande nacionalista, votou pela proteção da empresa nacional e pela nacionalização das reservas minerais. Foi um dos recordistas na apresentação de emendas aos trabalhos dos parlamentares constituintes, tendo sempre como meta a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e da soberania do País. No ano de 1990 foi eleito deputado federal, chegando a assumir depois o Ministério da Saúde no Governo Itamar Franco (1992-1995). Sua luta pela universalização do serviço médico gratuito, público e eficiente, pela implantação do SUS (Serviço Único de Saúde) e pelo fortalecimento dos laboratórios públicos é reconhecida por todos. Jamil Haddad dedicou toda sua vida pública às lutas democráticas em favor dos trabalhadores, contra a ditadura militar e combatendo as desigualdades sociais. Como militante, trabalhou pela reconstrução e afirmação da utopia socialista no Brasil.
As declarações publicadas a seguir são trechos de um depoimento histórico, concedido recentemente a Roberto Amaral e ao ex-deputado federal José Carlos Sabóia, no Rio de Janeiro. Confira:
INÍCIO
Jamil Haddad: Eu estava lembrando outro dia que, do antigo Partido, só eu e o Saturnino Braga estamos vivos. Nós nos elegemos a primeira vez em 1962: Saturnino deputado federal [que atualmente não está mais no PSB] e eu, deputado estadual. Eu sou da época do velho Partido: João Mangabeira, Bayard Boiteux, Hermes Lima, Barbosa Lima, lá em Pernambuco. Em São Paulo, eram o Roger Ferreira e o Antônio Cândido. Mas o começo mesmo foi em São Paulo. Contra a ditadura Vargas, todos se uniram na antiga UDN [União Democrática Nacional]. Mas [a UDN] era um partido conservador e, então, João Mangabeira fundou a Esquerda Democrática. Também o Evandro Lins e Silva, Chagas Freitas, Rubem Braga, Joel Silveira, Jader de Carvalho e J. G. de Araújo Jorge faziam parte. Daí resolveram fundar o Partido Socialista. Isto, entre 1946 e 1947. Eu entrei para o Partido em 1953. Eu era do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina. Não quis entrar para o Partido Comunista, para onde foi a maioria da juventude da minha época: o Partido Comunista era o preferido, primeiro, pela vitória sobre o nazi-fascismo e, segundo, pela evolução da União Soviética... Não fui para o PCB porque eu nunca aceitei o centralismo democrático.
O GOLPE
Jamil Haddad: Eu me elegi em 1962 e, em 1964, veio o golpe. Estranhamente, não fui cassado. Diziam que eu havia sido colega de um dos irmãos do ex-presidente João Figueiredo, o Luís Felipe, no complementar do colégio Lafayete. Figueiredo era do SNI [Serviço Nacional de Informações, extinto órgão de inteligência do governo militar] e teria dito que eu e outros 54 políticos de oposição não fôssemos cassados... Eu não fiz campanha em 1965, achando que a candidatura seria impugnada, mas isto não ocorreu e eu me reelegi, aí já pelo MDB [Movimento Democrático Brasileiro], porque o Ato Institucional número 2 tinha acabado com os partidos. Mas, depois, acabei sendo cassado pelo AI-5, no MDB. Já não havia condições de reorganizar o Partido Socialista Brasileiro. Depois, com a Anistia, o Leonel Brizola chegou do exílio e chamou os antigos integrantes do PSB para participarem do PDT [Partido Democrático Trabalhista]. Quando o Brizola se elegeu governador do Rio de Janeiro, me convidou para ser prefeito da capital do Estado e eu assumi a Prefeitura, em 1983. Lembro-me de que, nesta eleição para governador do Rio de Janeiro, houve uma movimentação fraudulenta para aproveitar os votos brancos e nulos e dar a vitória ao Moreira Franco. Quem teve um papel influente para perceber o que estava havendo foi César Maia, na época no PDT. Brizola chamou a imprensa internacional e foi ao Tribunal Eleitoral frustrando o esquema montado. Na prefeitura, eu organizei e entreguei praticamente pronto o sambódromo, mudei os critérios da merenda escolar entregando direto para os diretores de escola, os CIEPs [Centros Integrados de Educação Pública] começaram a ser construídos nesta época. Em 1983, eu entreguei o cargo ao governador Leonel Brizola, que nomeou Marcelo Alencar.
A REORGANIZAÇÃO
Jamil Haddad: A possibilidade de reorganizar o PSB surgiu com uma emenda constitucional já do governo José Sarney, em 1985, possibilitando a reorganização dos partidos.
Roberto Amaral: Nesta época nós nos conhecemos. Sebastião Nery havia registrado o nome Partido Socialista e eu percebi que a emenda falava em organização e reorganização partidária. Procurei na lista telefônica o nome “Jamil Haddad” e concordamos em reorganizar o Partido. Os remanescentes do PSB invocaram a anterioridade e, assim, retomamos a legenda deste grupo de São Paulo que pretendia fundar o Partido Socialista.
Jamil Haddad: Os remanescentes foram Evandro Lins e Silva, Joel Silveira, Rubem Braga, Jader de Carvalho. Houve um problema interno, porque o Marcelo Cerqueira propôs que o PSB fosse uma sublegenda do MDB. Ele e o Milton Temer entraram no Partido nesta época. Ele era ligado ao Fernando Lyra. Havia um interesse de dar a legenda para o Jarbas Vasconcelos, que havia sido derrotado na convenção do MDB para a prefeitura de Recife, em Pernambuco. Ele havia dito que qualquer que fosse o resultado da eleição não sairia do PSB. Viemos saber de sua saída pelos jornais e tivemos uma conversa bastante dura. Havia, então, esta divergência. Eles acabaram saindo e ficamos eu, o Roberto Amaral e o Antônio Houaiss, que foi eleito o primeiro presidente. Chamamos o Ronaldo Lessa, que veio nos ajudar. Eu assumi o Senado já no PSB. O Roberto Amaral correu o Brasil todo para conseguirmos o registro e o partido foi deslanchando. Primeiro, como partido habilitado e, depois, em caráter definitivo, em 1988. Nesta época, entraram o Mário Frota, do Amazonas, o José Guedes, de Minas Gerais, e o José Eudes, do Rio de Janeiro, que foram os primeiros com mandato de deputado federal. O Arthur Virgílio Neto, sem mandato, também entrou. Em São Paulo, o Roger Ferreira voltou ao PSB. Em 1987, entrou o José Carlos Sabóia, deputado federal pelo Maranhão. O Partido foi crescendo, mas, em razão de manter uma posição rígida com relação a princípios partidários e à proposta política em oposição a ser uma legenda de aluguel, muitos não entraram. Depois que saí do Senado, fui eleito deputado federal e em seguida deputado estadual pelo Rio. Neste contexto político, concederam-me o título de presidente de Honra do Partido.
OS GENÉRICOS
Jamil Haddad: Eu era deputado federal quando o presidente Itamar Franco me chamou para ser Ministro da Saúde, em 1992. Em 1993, numa briga com os laboratórios, eu fiz um seminário, quando os medicamentos genéricos já eram uma realidade, e preparei um decreto que levei para o presidente Itamar, iniciando a produção de medicamentos genéricos no Brasil. Hoje, eles são uma realidade que propiciou a uma parte da população ter condições de comprar medicamentos por preços mais acessíveis. Como de filho bonito todo mundo quer ser o pai, em 1999 foi aprovada uma lei, que era praticamente uma regulamentação dos remédios genéricos, o então ministro da Saúde José Serra passou a dizer que ele era o autor da lei... Mas tudo bem: o que me interessa é a consciência de ter conseguido implantar o uso de medicamentos genéricos no Brasil, numa luta violenta contra os laboratórios multinacionais e, agora, ter a satisfação de ver que também eles – os grandes laboratórios – entraram na produção desse tipo de remédio. Foi um fato importante na minha vida política.
JOÃO MANGABEIRA
Jamil Haddad: O socialismo entrou na minha vida porque eu passei a admirar, na época, o João Mangabeira, que era uma figura excepcional. O irmão dele era um grande tribuno, mas os discursos eram vazios. João Mangabeira não era bom orador, mas era um político de visão, das grandes transformações necessárias ao Brasil. Se compararmos o programa do PSB de 1947 e com a realidade brasileira de hoje, perceberemos o acerto das propostas do PSB e veremos que muito pouco se fez neste país para implementá-las. Quando eu dou palestras, digo: uma das causas da violência nas megalópoles é não ter sido feita a reforma agrária naquela época. A falta de emprego fez com que as pessoas viessem para as grandes cidades e, quando arranjavam emprego, era ganhando muito mal, não tinham dinheiro para o transporte e iam morar numa favela perto do local de trabalho. Com o Estado fazendo muito pouco em termos sociais, aparece, assim, a criminalidade, chegando a um ponto que fica quase impossível resolver os problemas sociais. Estamos numa situação praticamente falimentar na área social, com filas intermináveis nos hospitais. Eu fui presidente do INCA (Instituto Nacional do Câncer) e pude ver o que é um hospital de excelência no País.
O PSB
Jamil Haddad: Eu era médico num consultório que atendia pacientes pobres e fiquei na ilusão de que com a entrada na política eu conseguiria melhorar a vida de um número maior de pessoas do que no atendimento médico isolado. Depois que você se engaja na política, dificilmente sai. Temos exemplos belíssimos: Barbosa Lima Sobrinho, Evandro Lins e Silva, Hermes Lima, Antônio Houaiss. Houve uma época em que diziam que o partido era formado por um grupo de intelectuais altamente politizados e com a visão do socialismo democrático. Isto é que fez com que eu entrasse no Partido Socialista Brasileiro. Se não fosse o exercício do meu mandato de senador, o apoio operacional do meu gabinete e o trabalho do Roberto Amaral na reorganização do Partido, não existiria o PSB. Houve um momento em que quase o PSB se inviabiliza. Foi quando o Fernando Henrique Cardoso quis tirar a liderança dos pequenos partidos. Tive um embate violento com ele, que recuou. Eu entrei em 1953 para o PSB. A disputa eleitoral de cargos políticos começou em 1960. Fui três vezes deputado estadual, cassado no segundo mandato, fui deputado federal, senador constituinte como suplente de Saturnino Braga e do Adão Pereira Nunes. Ao todo, foram 19 anos de mandato e um ano de prefeitura, no Rio de Janeiro. Hoje, após 50 anos, o mundo todo evoluiu, na área tecnológica, mas em termos sociais não houve melhoria. Apesar de eu ter passado todo este tempo na política e ter deixado uma certa marca, pela coerência, sou muito pouco conhecido pela juventude. Mas, apesar de não ter chegado onde eu desejava, eu faria tudo novamente, esperando melhores resultados. Eu me sinto satisfeito por achar que eu tomei o caminho que devia ter tomado. Apesar de algumas coisas que não concordo, o Partido ainda é uma realidade política de coerência, é um partido limpo, que merece o respeito dos brasileiros. E é uma opção democrática que, não tenha dúvida, com o passar dos anos, será vitoriosa no país.
O PRESIDENTE LULA
Jamil Haddad: A Frente Brasil Popular foi criada no Senado. Entre outros, participaram o João Amazonas, o Lula e eu. Participei de todas as campanhas do Lula. O fato de ele ter sido um trabalhador, com o passado que teve, favorece a que ele tenha uma cabeça mais voltada para melhorar a área social. A grande decepção foi o PT. Nós éramos chamados, naquela época, de social-democratas e considerados uma linha auxiliar do PT e, depois que eles chegaram ao governo, a realidade era um pouco diferente. Nós nos reorganizamos depois que o PT e o PDT já haviam se organizado e, apesar disso, fomos, lenta e progressivamente, crescendo. Justamente em razão da credibilidade que temos e de não termos aceitado ser uma sigla de aluguel. Imprensa Portal do PSB - 4/9/2007

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