segunda-feira, 18 de abril de 2011

Dez anos sem Milton Santos

Silvio Tendler*

No inicio de 2001 entrevistei o professor Milton Santos. A riqueza do depoimento do geógrafo me obrigou a transformá-lo no filme “Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá”. Lá pelas tantas o professor critica a “neutralidade” dos analistas econômicos dizendo que eles defendiam os interesses das empresas que serviam.

Dez anos depois o cineasta Charles Ferguson em seu magnífico filme “Inside Job” esmiúça em detalhes a fala de Milton Santos e revela a promiscuidade nos Estados Unidos entre bancos, governo e universidades. Revela a ciranda entre universitários que servem a bancos e empresas financeiras, vão para o governo, enriquecem nesse trajeto, não pagam impostos, escrevem pareceres milionários para governos estrangeiros induzindo a adotarem políticas que favoreçam o sistema financeiro internacional.

Quebram aplicadores e fundos de pensão incentivando a investirem em papéis, que já sabiam, com antecedência, micados. E quando são demitidos das instituições financeiras partem com indenizações milionárias. Acertadamente este filme ganhou o Oscar de melhor documentário de 2011.

Na outra ponta da história está o filme “Biutiful” do Mexicano Alezandro Gonzalez Iñarritu, rodado em Barcelona e narra a vida dos fodidos, das vitimas do sistema financeiro internacional: africanos e chineses que vão para a Espanha para escapar da fome e do desemprego e se submetem a condições de vida sub-humanas. O trabalho do ator Javier Bardem rendeu o prêmio de melhor ator do Festival de Cannes de 2010. São filmes para ninguém botar defeito e desconstroem as perversidades do mundo em que estamos vivendo.

Em discurso recente em Wisconsin, solidário aos trabalhadores que lutam contra novas gatunagens, o colega estadunidense Michael Moore declarou: “Vou repetir. 400 norte-americanos obscenamente ricos, a maior parte dos quais foram beneficiados no ‘resgate’ de 2008, pago aos bancos, com muitos trilhões de dólares dos contribuintes, têm hoje a mesma quantidade de dinheiro, ações e propriedades que tudo que 155 milhões de norte-americanos conseguiram juntar ao longo da vida, tudo somado. Se dissermos que fomos vítimas de um golpe de estado financeiro, não estamos apenas certos, mas, além disso, também sabemos, no fundo do coração, que estamos certos. Mas não é fácil dizer isso, e sei por quê.

Para nós, admitir que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a ideia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada. Wall Street, os bancos, os 500 da revista Fortune governam hoje essa República – e, até o mês passado, todos nós, o resto, os milhões de norte-americanos, nos sentíamos impotentes, sem saber o que fazer”. E arrematou com maestria e indignação: “…Falei com o meu coração, sobre os milhões de nossos compatriotas americanos que tiveram suas casas e empregos roubados por uma classe criminosa de milionários e bilionários. Foi na manhã seguinte ao Oscar, na qual o vencedor de melhor documentário por “Inside Job” estava ao microfone e declarou: “Devo começar por salientar que, três anos depois de nossa terrível crise financeira causada por fraude financeira, nem mesmo um único executivo financeiro foi para a cadeia. E isso é errado. “E ele foi aplaudido por dizer isso. (Quando eles pararam de vaiar discursos de Oscar? Droga!)”

Esse ano celebramos os dez anos da morte do professor Milton Santos. Quem quiser ler “Por uma Outra Globalização” do Professor Milton Santos encontrará um diagnóstico perfeito do processo de globalização que gestou as mazelas descritas em “Inside Job” e “Biutiful”. Quem quiser reencontrá-lo em “Encontro Com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, estará celebrando a vida e o pensamento de um dos maiores pensadores do Século 20, capaz de ter antecipado muito do que estamos vivendo hoje. Sempre com seu sorriso nos lábios e o olhar que revelavam sua clarividência desde o primeiro momento em que começava a se manifestar.

* Cineasta, diretor de Os anos JK, Jango, Utopia & barbárie, entre outros documentários

Um comentário:

  1. Atualizado em 17 DE junho DE 2011 ás 12:31
    Influência de Milton Santos é percebida em Colóquio

    Geógrafo baiano afirmava que a globalização servia ao capital financeiro e propunha outra globalização, a globalização de todos. Esta e outras teorias do pesquisador foram observadas durante o III Colóquio Milton Santos, que aconteceu em junho na Ufba e no Instituto Anísio Teixeira

    Joseane Rosa*
    anejorosa@gmail.com

    Geógrafo influente, Milton Santos recriou conceitos chave para várias pesquisas científicas, que abrangem, não só o campo da geografia e sua área de atuação, mas como vários campos das ciências sociais. As teorias do pesquisador foram observadas durante o III Colóquio Milton Santos, que aconteceu nos dias 6 e 7 de junho, na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e no Instituto Anísio Teixeira em Salvador.

    A importância dos conceitos de Milton foi relembrada nas apresentações dos pesquisadores durante o evento, que contava não só com a presença de estudante de graduação de diversos cursos, mas com pessoas desvinculadas com a área acadêmica. Foi o caso do corretor de imóveis, Waldimiro de Souza: “Milton Santos via a geografia como um projeto político para a humanidade, muitos dos seus conceitos deveriam ser aproveitados pelo governo para um grande projeto social”, relembra.

    As mesas centrais dos artigos apresentados durante a tarde de 7 de junho, na Faculdade de Comunicação da Ufba, tinham como base conceitos do homenageado e debatiam os seguintes temas: “Transformações do Espaço Geográfico”; “Novas Tecnologias e Sociabilidade”; “Políticas Públicas orientadas à Cultura”; “Sou Camelô, Sou do Mercado Informal (cultura e mercado)”.

    Os Pontos centrais nas discussões das pesquisas apresentadas no segundo dia do Colóquio, foram as noções de Território, Espaço Geográfico e Globalização de Santos. Para o geógrafo baiano, o conceito de espaço geográfico é indispensável para compreender o mundo presente.

    Formado por aspectos estruturantes, imagens de satélite e pelas ações humanas, o espaço geográfico vive em permanente mudança e é entendido como uma mediação entre o mundo e a sociedade. Segundo Milton Santos, o conceito de território é inseparável das interferências dos seres humanos.

    Contrapondo a ideia de espaço geográfico, Milton Santos afirmava que paisagem era um sistema imutável, que juntava objetos do passado e do presente. Ainda sobre o espaço geográfico, o pensador afirmava que lugar “Lugar constitui a dimensão da existência que se manifesta através de um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas, instituições–cooperação e conflito são a base da vida em comum”.

    Milton Santos

    Como estudioso do espaço, ele afirmava que a globalização servia ao capital financeiro e propunha outra globalização, a globalização de todos. Mas ao contrário do que muitos pensavam, Milton Santos dizia que a globalização não cria uma homogeneização cultural, afirmava que ao contrário disto o lugar convive com a “razão global” e a “razão local”, então seria necessário estudar os lugares e seus elementos centrais para se compreender as possibilidades de interação.

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