quarta-feira, 27 de abril de 2011

Não dá para esquecer!

Zulu Araújo*
A leniência com que as instituições brasileiras têm tratado, até o presente momento, o crime de racismo em nossa sociedade, é deveras preocupante. Não raro encontramos nos órgãos de imprensa ou em publicações de entidades ligadas à temática racial, denúncias graves sobre a prática do racismo exercidas por autoridades constituídas, como parlamentares, policiais (civis e militares) e até mesmo membros do poder judiciário. Não raro, também, estes crimes são tratados de maneira jocosa ou superficial na tentativa de excluir a gravidade e o potencial ofensivo deste ato criminoso para com suas vítimas.
O movimento negro, bem como diversos setores antirracistas da sociedade brasileira, tem alertado constantemente as autoridades e as instituições do País para o risco que esta leniência pode estimular. Em que pese o avanço das políticas públicas de igualdade racial no Brasil, notadamente nos últimos dez anos e talvez por isto mesmo, é visível a expansão e mobilização dos grupos racistas em nossa sociedade. E mais visível ainda as ações destes grupos ou indivíduos na prática da discriminação racial e do racismo. Recentemente, tivemos o ápice deste comportamento na entrevista dada pelo deputado Jair Bolsonaro, que do alto da sua ignorância e preconceito atingiu em cheio, não apenas a artista Preta Gil, mas todos os afrodescendentes deste país. Fatos como estes têm ocorrido numa intensidade e velocidade muito grande e nos mais variados campos da nossa sociedade. Ora nos campos de futebol, ora nas escolas, ora no mercado de trabalho. A única diferença neste caso esteve na forma covarde com que o deputado tentou escamotear a situação e fugir da responsabilidade do seu ato, ao afirmar que não havia compreendido bem a pergunta do jornalista Marcelo Tas.
Pois bem, o Congresso Nacional, tida e havida como a casa do povo brasileiro, o palco maior da democracia em nosso país, tem a grande oportunidade de dar um basta nesta corrida criminosa em que homofóbicos, racistas e intolerantes em geral, tem se revezado, para ver quem é mais radical no exercício da discriminação, punindo exemplarmente o deputado criminoso. E que não me venham com o argumento enganoso da imunidade parlamentar, pois a Constituição brasileira é muito clara neste sentido: RACISMO É CRIME, tipificado na Lei nº 9.549, de 13 de maio de 1997, que no seu artigo 1º, diz o seguinte: "Serão punidos, na forma da Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional" e no seu artigo 20, arremata: "Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Portanto, pouco importa se o criminoso é deputado, juiz ou delegado. Crime é crime e como tal deve ser tratado e punido. Até por que o que consta no artigo 53 da Constituição Federal é de que os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por opiniões, palavras e votos e não para o cometimento de crimes. Aliás, por isto mesmo, é que existe os Conselhos de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara e do Senado para punir politicamente os parlamentares que se excederem no exercício do mandato. E a Justiça civil e penal para aplicar o que manda a Lei.
Mas, não basta que esperemos que o Congresso Nacional e a Justiça cumpram com o seu dever. Para fazer frente a esta cultura da impunidade no Brasil, que é quase uma instituição nacional, é necessário que a sociedade como um todo se mobilize, em particular os movimentos antirracistas, para que exijamos das instituições brasileiras menos corporativismo e mais compromisso com os valores civilizatórios da humanidade. Afinal, o racismo é um crime de lesa humanidade, consagrado como tal pela ONU, na sua terceira Conferência Mundial Contra o Racismo, a Intolerância e a Xenofobia, realizada em Durban, na África do Sul em 2001, que contou com aprovação de mais de 150 países e da qual Brasil é país signatário.
Neste sentido, não seria nada mal, que em breve, fosse feita uma visita aos presidentes da Câmara e do Senado, por homens e mulheres de boa vontade, para lembrá-los do imperioso compromisso que estas instituições devem ter para com o povo brasileiro como um todo e em particular aos afrodescendentes que, após quase 400 anos de escravidão, não podem continuar sendo desrespeitados como o foram pelo deputado estúpido.
Este crime não dá pra esquecer, deputados.
Toca a zabumba que a terra é nossa.
*Zulu Araújo é filiado ao PSB.
Arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro, foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011).
**Artigo originalmente publicado no site Terra Magazine

2 comentários:

  1. "Chega de achar comum ser tratado de forma incomum!" Preconceito em Rio de Contas

    AQUI TEM UM ESPAÇO PARA ANÚNCIOS

    Este texto foi escrito por uma mulher,tia que sofreu agressão verbal e física por ter defendido seu sobrinho que estava sendo agredido fisicamente por outra criança.ao ler o relato entenderam a gravidade da situação.


    "Chega de achar comum ser tratado de forma incomum!


    Um dia “normal” no Brasil e no mundo, só que dessa vez o episódio aconteceu comigo, não que não tenha acontecido antes, mas nunca tão explicito. Moro numa pequena cidade histórica da Chapada Diamantina, Rio de Contas e no dia 23 de abril de 2011, fui agredida fisicamente, além de sofrer difamação, seguido de discriminação racial numa festa infantil! Primeiro aninho da filha de minha amiga de infância. Eu estava acompanhada do meu sobrinho de três anos, que na hora dos parabéns, estava sendo agredido por outra criança da mesma idade, e bem maior fisicamente. Ao ver aquilo, chamei meu sobrinho e pedi para a outra criança parar, dizendo: - Bate nele não viu, mô?.

    Nesse momento, a mãe do menino que estava afastada, veio na minha direção gritando: “Não grita com meu filho sua neguinha, vagabunda!!” Em seguida agarrou no meu seio e me deu um beliscão. Fiquei paralisada. Só conseguia perguntar à agressora,(...), se ela estava ficando louca. Não tive reação, não conseguia tamanha era a minha indignação. Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo! Ela saiu dizendo impropérios racistas e preconceituosos, me chamando de “negra preta do cabelo duro e dizendo que ia arrancar minha peruca”. O fato de eu ter assumido o meu cabelo e principalmente a minha identidade, serve de chacota para fantoches manipulados pela mídia que dita um padrão de beleza ideal. Havia outra mãe entre mim e a agressora que ficou indignada com a reação daquela mãe racista e violenta, pois acompanhou todo o acontecido.
    No momento não cultuo nenhum tipo de mágoa ou rancor, só anseio por justiça, numa terra de filhotes de coronéis, onde até hoje as pessoas são submetidas a situações como essa, por famílias que se dizem tradicionais e/ou contam com apoio político local desde sempre. Quero que todos saibam que não precisamos nos calar mais, chega de submissão e humilhação.
    Sigamos o exemplo de Maria Brandão, riocontense que no início do século 20, nunca se curvou diante das discriminações que sofreu por ser mulher, negra e filiada ao antigo PCB, mesmo não tendo a Lei, à época a seu favor.

    Estamos no século XXI, em um país democrático, que possui uma das constituições mais belas e humanitárias das nações. Não é possível que continuemos convivendo com situações semelhantes a estas, por parte de gente que perdeu o bonde da história e ainda vive no século XIX, quando era aceito normalmente todos os tipos de discriminação. Morar em uma cidade pequena, histórica, não dá a ninguém a licença de ser mal informado, ou um mau cidadão/cidadã. Essas pessoas precisam entender que racismo é crime, e tem de ser tratado como tal. Por isso, busco com este relato mostrar um recorte do que é o dia a dia sem máscaras sociais em Rio de Contas, em que a democracia racial ainda sofre com episódios terríveis como este. Muitas pessoas testemunharam, mas sentem medo, não querem se indispor, preferem não se expor. Não vou dizer que entendo, mas respeito e espero que nunca passem por isso, afinal ninguém está livre, visto que poucas mascaras se permitem cair.

    Sou mulher, negra, estudante de agronomia na Universidade do Estado da Bahia, participo de movimentos sociais, assumo meu cabelo, assumo minha cor, assumo minha identidade, não vou me calar, não vou me acomodar e este não vai ser só mais um caso engavetado e barrado por pessoas que se dizem influente."

    Elaine Aparecida Santos de Novais
    elainesnovais@hotmail.com

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  2. Sinto muito minha querida Elane,negra linda,inteligente, capacitada,guerreira!!Não desista em processar essa criatura que te ridicularizou em público!O MOVIMENTO NEGRO está com você!!!

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