segunda-feira, 6 de junho de 2011

TURISMO E CENTRO HISTÓRICO / DOMINGOS LEONELLI

Volta e meia, sociólogos, antropólogos, mestres e mestrandos daqui e de fora lançam suas luzes sobre o Centro Histórico de Salvador. Música, poesia, literatura, artes plásticas e visuais, e também interpretação antropológica, fazem parte de nossa história. Isso foi e é bom para a Bahia e Salvador. Mas, às vezes, alguns abusam da lisa brancura do papel e escrevem o que lhes vem à telha, sem se dar ao medíocre esforço da comprovação factual.
O último douto diagnóstico sobre o Pelourinho, aliás, Centro Histórico, foi proposto pelo “mestrando e professor da Faculdade de Direito de Brasília”, Ronaldo Barreto de Andrade, em A Tarde de 24/04/2011. Depois de comparar os centros históricos de Salvador e Havana, sem explicar que o primeiro foi esvaziado pela dinâmica capitalista dos shoppings e o segundo, pela estagnação socialista proveniente do boicote norte- americano a Cuba, o professor nos ensina que Salvador mirou no objetivo de transformar “o seu Centro Histórico num parque temático, numa Disney World, onde se vendem acarajés ao invés de hambúrgueres”. A bobagem é tão grande que anula a sua frase seguinte, denunciando “a terrível limpeza étnica e social” que ele preferiu não identificar, mas, na certa, refere-se à recuperação do Pelourinho realizada no governo de ACM.
Embora não seja original, (um urbanista chileno já havia feito essa sensacional descoberta), o professor brasiliense revelou preconceito e desconhecimento. Preconceito contra os parques temáticos e de entretenimento que geram bilhões de dólares e milhares de empregos para os norte-americanos; preconceito contra o turismo, também revelado em outro trecho do seu artigo. E ignora a simples diferença entre parques temáticos de entretenimento e sítios turísticos e culturais. Seria o Coliseu uma Disneylândia em que se come macarrão? Estaria o fantástico patrimônio cultural milenar da China ameaçado pela decisão (socialista) de implantar naquele país um segundo parque temático de Walt Disney, o Shangai Disney Resort, com um investimento de 3,7 bilhões de dólares?
E façamos justiça até aos governos anteriores: o turismo na Bahia nunca desconheceu o valor da cultura e do patrimônio histórico que herdamos.
Aliás, a grandeza do turismo reside exatamente na sua capacidade de, ao mesmo tempo, contribuir para preservar o patrimônio histórico na sua máxima inteireza e autenticidade e possibilitar a criação de estruturas de entretenimento. Essas últimas, capazes de estimular a imaginação e a fantasia, atendendo a variados públicos de diversas faixas etárias.
E se quisermos ir mais fundo, não se pode desconhecer culturalmente Walt Disney.
E nem o turismo que, como negócio, é um avanço civilizatório dos dois últimos séculos, anteriores ao atual século XXI. Antes, apenas nas raras expedições científicas dos séculos 16 e 17, os homens se locomoviam sem que tivessem com objetivos de dominação econômica, religiosa ou militar. O “prazer em conhecer” no plano social iniciou-se como atividade econômica, como negócio, em meados do século 19. Na primeira excursão organizada em Londres por Thomas Cook. E não creio que exista atividade econômica tão ligada à cultura e à preservação da natureza e do patrimônio histórico quanto o turismo.
Quanto ao Centro Histórico de Salvador, foi com recursos do turismo, do Prodetur, que se recuperaram monumentos históricos, culturais e religiosos, como a Igreja do Boqueirão, a Igreja e o Cemitério do Pilar, os palácios da Aclamação e Rio Branco, e todo o Pelourinho.
Se os professores e outros intelectuais preconceituosos quiseram realmente debater o Centro Histórico, vamos às suas causas históricas recentes. Vamos às decisões urbanísticas profundamente danosas, como a implantação do Centro Administrativo da Bahia, e de shoppings centers a menos de 15 quilômetros do Centro da cidade.
Num só movimento envolvendo especulação imobiliária, interesse em grandes construções e interesses comerciais imediatistas, esvaziou-se o Centro de Salvador, física e economicamente. Deslocou-se para a Avenida Paralela o centro de poder mais forte, o Governo Estadual, o Judiciário e o Legislativo estadual, levando para lá todos os seus funcionários e seus públicos. Lojas, restaurantes, bares, oficinas, escritórios, tudo que dava e recebia vida de milhares e milhares de funcionários públicos e cidadãos que deles dependiam para tomada de decisão. Saíram em menos de cinco anos do Centro de Salvador. Para esse contingente de significativo poder aquisitivo, numa cidade pobre como Salvador, implantaram-se os shoppings entre a Paralela e os bairros residenciais. O tecido urbano do Centro de Salvador foi econômica e socialmente necrosado.
E já que precisamos de exemplos estrangeiros, colonizados que somos, cidades como Roma, Madri e Londres só permitem shoppings bem distanciados dos seus centros históricos e comerciais. Na pior das hipóteses, foram permitidas apenas grandes lojas de departamentos como o Corte Inglês, o Harrods ou as galerias que se somaram aos centros comerciais.
Finalmente, enquanto alguns intelectuais dizem que o Pelourinho está dimensionado só para turistas, os artistas, comerciantes e moradores de lá sentem falta de mais turistas com disposição e euros para comprar. Mais turistas e também mais baianos, é claro.
Vale lembrar uma frase da ex-prefeita e senadora Lídice da Mata, sempre citada por Caio Carvalho, presidente da São Paulo Turismo: “Uma cidade só é boa para os turistas se for boa para seus habitantes”. Tão simples e tão complexo, assim.

*Domingos Leonelli é secretário estadual do Turismo.

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